sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Um homem estranho perto do Golfo

Badr Shakir al-Sayyab (Iraque)

O simum* sopra seu calor do meio-dia até o final da tarde.
O vento quente sopra abruptamente e deixa as velas ora dobradas, ora estendidas.
O golfo está superlotado com marinheiros labutando.
Eles vagueiam através do mar para ganhar seu pão de cada dia.
Qualquer um deles está com os pés descalços e metade de seu corpo  nu.
Ao longo das areias da costa, o estranho homem está sentado.
Ampliando sua visão, ele olha para o golfo confuso.
O golfo rugoso espalha as luzes, tanto quanto aumenta-se em convulsão.
Uma vez eu o vi tempestuoso e suas ondas levantando espumas violentamente.
Como se um efeito explosivo estourasse em minha alma, relembro-me de meu país.
É como se a maré, como se as nuvens pesadas, como se as lágrimas banhassem os olhos.
O vento sopra rajadas em minha direção:  Iraque. Iraque. Iraque. Ele grita em voz alta.
As ondas choram para mim, Iraque. 
Nunca existirá um país para você, exceto o Iraque.
No entanto, as ondas são extensas; o Iraque está longe de alcançar.
O mar permanece como barreira além de você, meu país.
Ontem, quando visitei o café, eu te ouvi, Iraque.
Pensei que aparentemente você, país, fosse um mero disco a rodar.
Como se as órbitas estivessem rolando onde eu parasse, mesmo que o tempo mudasse seu caminho.

Lembro-me de dois momentos de paz, mesmo que se mudem para outro lugar.
São os momentos vendo a face de minha mãe na escuridão.
E sua voz imaginada em meus olhos quando eu estava quase dormindo.
Além disso, temo os pomares de tamareiras quando fica escuro ao pôr do sol.
Prevejo os fantasmas se aglomerando para  sequestrarcada criança ainda brincando nas ruas.
No entanto, eu não sei como o túmulo foi aberto para lá deixar uma bela mulher!
Então eu a escolhi para ser a única querida amada.

Você não se lembra Zahra? Eu gostaria de saber!
Fomossentar juntos muito perto da lareira um dia?
Fomos sentar com as pessoas circulando a lareira lotada ou nas proximidades, enquanto minha tia contava-nos as histórias sobre reis do passado.
A porta estava fechada firmemente para as palavras das mulheres, mas para ela não.
Uma vez que ela era o suporte para os homens, eles a obedeciam, enquanto os homens ainda conversam em folia sem se cansar naquela noite.
Você se lembra? Você esqueceu?
Você se lembra quando nós estávamos muito satisfeitos com nossas vidas?

Estávamos emocionados ao ouvir a história, pois foi contada por uma mulher.
A história falava de muitos animais assustados em diversos momentos.
Teríamos temperamento vigoroso para ser um dos símbolos de tempos passados?
Achávamos ser parte indivisível do legado do passado?
É tudo em vão?
As únicas coisas que permanecem é sonho e o disco a rodar.
São as coisas remanescentes as únicas recordações?
Onde está o consolo? Para a minha alma, para a minha satisfação, eu poderia pensar!
Seu amor me faz amar ainda mais o Iraque.
Ambos são a mesma coisa, a vela que ilumina o meu caminho.
Lembro-me de você, tanto quando a noite desce e se sobrepõe em camadas.
A noite cobre o local e só você pode iluminar a escuridão para que eu não vagueie nessa profundidade.
Se você vem para me encontrar no país estranho, o que eu tenho a dizer?
O encontro preferido para mim é na terra do meu país, que eu amo.
A saudade da minha terra suscita em mim que viaje algum dia.
Meu desejo do meu país evoca no meu sangue, a minha fome, ainda, minhas emoções.
Eu desejo meu país como o afogado insistindo pelo ar.
Eu desejo meu país como o feto anseia ver a luz.
Fico espantado em pensar como alguém pode trair o seu país.
Será que realmente alguém pode trair o seu país!
Se ele trai, como ele pode tocar o solo, o ar, ou como ele pode beber sua água?
O sol no meu país, mesmo no escuro é o mais belo de todos os lugares.
Sinto a escuridão quando ela me cobre, meu país seria um lugar seguro.
O Iraque dormiria em paz.

Ai de mim! Que pena! Como e quando posso dormir?
Então posso sentir no meu travesseiro o odor de noites de verão do Iraque.

Quantas vezes eu cantei com alegria entre seus vilarejos acolhedores das cidades ocidentais?
Eu carrego seu sonho como o cristão que é expelido conduzindo sua cruz.
Eu ouvi as vozes das pisadas dos homens famintos e estavam sangrando por causa de tropeço.
Vai espalhar em meus olhos a poeira do Iraque, que impulsiona a emoção.

No entanto, ainda estou caminhando com os pés descalços sobre o chão estranho sob o sol impiedoso de países estrangeiros.
Vestindo roupas esfarrapadas, estendi minhas mãos orvalhadas para as pessoas.
Desdém, desprezo, entre os olhos descuidados eu vago suas ruas.
A morte é cem vezes melhor para mim do que dizer: Oh, pobre homem!

Na verdade, é melhor do que amáveis olhos caridosos quase que a contragosto.
Eu desprezo os tostões sem valor a colocar na minha mão e na minha alma.

Se somente! Você, sangue, cessar e não possa fluir em minhas veias.
Se somente! Você dinheiro desaparecer e se transformar em meras coisas fúteis.
Se somente! Vocês, gotas metálicas voarem e evaporarem no céu.
Oh, agulha! Quando você vai terminar a costura das velas?
Oh, o vento! Quando você será capaz de levar embora a vela?
Então eu poderei retornar ao Iraque. Se só fosse isso! Eu poderia retornar ao Iraque.

É agora? Eu gostaria de saber! É agora.
Oh! As ondas brilhantes foram mexidas pelo remo silencioso.
Se eu tivesse dinheiro! Agora eu estaria no meio do golfo, embaixo das suas grandes estrelas brilhando, indo para casa.
Se apenas! Os navios não ganhassem dinheiro com os viajantes.
Se apenas! A terra fosse expandida e não fisesse fronteira com mares.

Ainda em vão! Conto meu dinheiro, desejando que ele fosse mais.
Ainda, sou desprezado por causa do dinheiro que sofre as dores de emigração.
No entanto, com a alma ansiosa senti teu brilho na minha porta e janela.
Oh! Dinheiro, pode me dizer, em outro banco, qual é o seu segredo!

Você pode me dizer quando eu voltar para casa? Somente isso! Você pode me dizer.
Está o feliz dia desenhando-se ante que eu morra?
Ressuscitarei naquela manhã promissora quando o céu estiver nublado.

Quando vejo estar um pouco de brisa fria saturada com o perfume do outono…
E eu poderia desviar-me do resto da minha sonolência.
O cansaço, que é semelhante ao véu transparente, está contra meu olho.
Como a capa de seda revela o visível e o invisível por debaixo.
O véu, se eu remover, vai revelar o que é esquecido e o que é duvidoso.
Então eu posso encontrar o novo traje que tenho procurado por sobre e junto à minha alma sombria.
Por um longo tempo eu não vi a alegria, e considero-a como denso nevoeiro.

Hoje a alegria enche meu coração de repente. Eu voltarei, posso ter certeza?
Ai de mim! Eu não tenho dinheiro suficiente para voltar para casa.
Será que alguém que tenha dinheiro insuficiente pode viajar ou voltar para casa?
Como é que o dinheiro pode ser economizado? Eu não sei! Mas eu não sei!
Como pode o pobre homem guardar o dinheiro se ele não pode encontrar algo para comer?
Como pode o pobre homem guardar o dinheiro se ele vive nas instituições de caridade?

Vocês olhos, vocês devem derramar lágrimas amargamente sobre o Iraque.
Oh! Alma você deve chorar amargamente sobre o Iraque.
Você tem apenas as lágrimas para doar.
Você não tem escolha, apenas a espera.

Em vão, você espera a misericórdia do vento e das velas a se ajustarem um dia.



Traduzido para o inglês: Mohammad Mahmud Ahmad
Versão em português: Álvaro Nassaralla
 
 
* Simun - Do árabe 'Vento venenoso' - Wikipedia

Simum é um vento forte, seco, carregado de pó local que sopra no deserto do Saara, Jordânia, Síria e os desertos da Península Arábica. A sua temperatura pode ser superior a 54 ° C (129 ° F) e a umidade pode cair abaixo de 10%.

Nenhum comentário:

Postar um comentário