segunda-feira, 22 de julho de 2013

Liberdade


eu
que tenho todo o blues do mundo dentro de mim
como que traficado e forçado em cativeiro
como vaga desalentadora dos refluxos da tarde

eu
que no corpo corre a eletricidade das tormentas
o pior mar de tufão que se pode enfrentar
o estranho que passa caminhante pelo mundo
o mais fluido azul-marinho-língua-de-serpente

eu
que tenho toda a solidão do mundo
naufragando praças desertas
sem cheiros e sem crianças brincando
brilhando minhas asas que não me tiram do chão
sou arremessado às vastidões e aos corações que gritam

compreendo que os monumentos são feitos de prudência
e que quem constrói as melhores edificações, dificilmente
um dia vai nelas morar

e que os comunistas, todos eles o são somente para si
e que os capitalistas, o são somente para eles mesmos

eu quero ver abandonar-se às vastidões da miséria
por causa própria,
repartir o pão em pedaços idênticos,
repartir a alma em amores sem cortinas
reparir os inimigos e lutar junto a eles contra a chuva,
abraçar os sapatos usados e trazidos pela maré
liberar-se do conforto dos recalques
espelhar os abismos e rir deles aos gargalhões
derrubar todas as janelas e paredes
deixar a noite entrar irizada
como um farol suturando as meninas prostitutas
beijar o maiúsculo das miragens dos mendigos
cravar um escorpião em seu próprio coração de veneno poção
parar para que os lábios gozem a cerâmica arabesca
sentir o verdadeiro naufrágio dos crepúsculos derrotados

quero ver com que mentira continuarão defendendo suas ideologias de butique
quero ver quem vai varrer a sujeira toda depois da festa
quero ver quem vai filtrar o outono,
destilar o inverno e macerar o aroma da primavera,
quero ver quem vai respirar as veias e as valas
quem vai colher as lágrimas germinadas, premidas de ocaso e fruto
quem vai alimentar a aurora com as proporções dos caules e raízes

quero ver quem vai pegar o vento dos pés e sair caçando o punhal transparente do desejo
quem vai pegar a fumaça das palavras e erguê-las como um bordado louco e livre
quem vai pegar as gramas construídas, impalpáveis
a identidade das aparências
o prelúdio líquido e espesso das muralhas
as etiquetas inúteis do seu amor comprado
a vigilância das bibliotecas inquestionáveis e aposentadas
a ilha dos lábios prontos e consumistas
a fúria e as vertigens da fome
o voo do mundo repartido na opressão do preço

vejo o prelúdio da ultrapassagem
vamos beijar a lapela da primavera
esse é o fim próprio das estações e dos emblemas
o sopro da frase
a brisa perfume de jasmim
o verso destronador de sentenças

agora entendo a extensão da liberdade:
ela continua, sempre e somente, um passo adiante de nós


27/09/11

quinta-feira, 18 de julho de 2013

Ao quebra-mar



Para o pier
sou seu filho mais derradeiro
fugindo da solidão na dor que a beleza espessa
das marés traz,
e levam sementes para o alto do mar
para as sereias completadas de lua,
desenhando a linha marolada e amarujada e florida
das águas de inverno.

Meu jaleco marítimo
acoberta-se de centenas escamaduras do canto poeta primal,
só para ser o pier e os gatos alimentados
e o oceano de ser ilhado em plena terra firme.

Em questão de minutos lunares
vamos sendo apagados
do mapa, as profundidades, o sal
e sou um único abalo tectônico das costas banhadas de inverno,
os corpos celestes possivelmente rindo-se de nós
e suas massas empurrando-nos uns contra os outros.

Estou de volta, pier e varas de pescar,
habitantes do direito que ninguém nos conferiu de fato.
Mar se quebra tão astronômico
tão agigantado
e o pontão atreve-se e toma de espuma salgada,
e como um centopeia hereditária,
avança ereto às ondas
quer ser terra onde já se molha meretriz,
motriz dos corações e força das marés.

Vou dizer do que sei apenas.
Do amor, não sei.
Do navegável, também.
Apenas sei a distinção do mar revolto contra as pedras
amontoadas,
da natureza estranha e superficial dos homens,
das luas alquebradas e milenares,
da foz que se liberta descoberta ao inteiro do mar,
da boca da baía como espaço transversal dos primeiros e últimos,
do cálculo improvável das emoções,
dos atracadouros transbordantes para os afogados,
motivos sedimentos e oração dos portões de mar e terra,
as amarras para os barquinhos restantes de sanidade,
a alma da embarcação flutuando à distância na linha do entardecer.

Somos a chave se formos desafixados,
somos a chave se formos o corpo das confusões,
somos o tempo se a chave for alguma espécie de liberdade e esperança,
estamos marítimos e não vou enganar:
o caminho é tão certo como mudam as ondas do mar,
como andam as dunas do deserto.

Vamos plantar girassóis no mar
brotar a única nave real, nós mesmos
sem calar o coração, único motivo para clamar aos astros
o sonho acordado
e dormir com o sono das esponjas e corais
e das bromélias cravadas na pedra vertical.

Água e osso nada são apenas que a diretriz acesa das sirenes e desesperos,
atraídos pelos quebra-mar curativo, atrevido
língua penetrando as ondas,
e elas a reclamar
esbofeteando o bolor e os talhos das pedras.
Para permanecer vivo nos degraus da deriva
tem-se de ter um bocado de imprudência,
e carregar o colar das tempestades.

A cura e a justiça são aliadas.

Sem mais,
o tufão tem sido meu único companheiro
e o pier lavado, o lastro perfeito dos astros para quem quer
avançar!


16/julho/13

quinta-feira, 11 de julho de 2013

Azimute

Para meu avô Jorge (Jurja) Nassaralla

O poeta é aquele quem engoliu a lua mascateira;
tem as tardes mas há de vagar,
beija como as rochas arrebentadas de mar
no desespero calado de estar ali, quebra-mar
antecipando a sorte eterna de ser ancoradouro para o mar,
ser ferrugem verde e vertigem dos amadores.

A esperança – herança e prelúdio,
está no castanho negro de seus olhos
que vêm para abençoar a palavra ametista,
esperança que bate forte como meu coração
de passarinho novo.

Vou ser na palavra aberta
no céu rebatido de vermelho invertido,
crispado como um mar às avessas
iluminando as pontas de suas ondas
com o rubor das semi-virgens estrelas ainda por querer o desejo,
ainda sem se saber tremeluzidas em sua saga constelada:
E por que não?

Sou o mascate vagando pelo mundo
que veio te vender a aurora com cores e dores,
alma deflor, perfume de lua gazela para os homens sedentos:
só o poeta e o mascate podem encarar a descarada tarde pela frente,
a profissão descoberta para a liberdade de fazer seu caminho,
serem os gigantes da solidão,
tão fácil como o futuro se mostra numa confusão de destinos sem importância,
e as fotos envelhecendo dentro dos cadernos,
última instância, esquecer para se lembrar do que realmente revela
a tarde e todas as suas lembranças em forma de fotogramas paralisados,
somos nós viajantes irresponsáveis de nós mesmos,
simulando êxitos perante o tempo,
sonhando o brotar dos pomares quando inverno,
as flores cheirando no crepúsculo.

Sigo a palavra aberta,
o adubo eficiente dos que tarefam caminhar,
o caminho duro quando as estradas recortadas tornam-se crochês
e tramas ao azimute;
mas, seguimos, tarde da noite
nas probabilidades lançadas mais uma vez pela roleta dos astros,
seguimos tarde das tardes, profissão
inexata do vagar,
mas assim confrontamos o que é tido por certo,
porque nós,
nós temos uma pequena mula e malas, e nas malas
temos um tesouro:
temos orvalho, flor de figueira, girassóis, lua todas as fases,
o outono descabido de si mesmo,
a noite e o deserto, o perfume das frutas, a jabuticaba negra de roxa,
as lâminas do sabor,
as línguas para serem inventadas em si mesmas,
a história para ser recontada, agora com justiça e verdade.

Pela vez, azimute
caminho e destino
só o poeta e o mascate podem encarar toda a descarada tarde pela frente.

02/jul/13