A. Nassaralla (19/maio/15)
A música do deus está no mar descabelado
blasfemando pelas últimas gotas
de amarelo, violeta e rouquidão:
sob o púrpura moído e soprado
as luzes fizeram curso de algum norte,
soçobraram leves suspiros d´água,
tremendo tramando o navega noite das correntes.
Passível de todos os amores,
a brisa calosa tenta fazer curvas rentes ao mar:
o incenso marítimo caminha e roça os costados dos navios,
os mangues,
e o azul negro contraparte as luzes fundeadas à boca da baía:
são auras pássaras que nos trazem sonhos de violência
cintilante.
Estou longe,
longe do passado e do futuro
e o dique ao dissabor do abandono noturno,
recebendo aos ombros tiras fatiadas de marolas argutas,
alinhada flutuação à sorte de pequeno vento frio,
faz-me pensar na segurança dos lares
e das crianças que vão receber
planos inteiros sem questioná-los,
e nas poucas outras,
sob força maior de instinto,
como nuvens,
vão nunca atracar,
para sorrir e estraçalhar os sonhos para elas sonhados.
Penso, por hora
que o mar
como um bom pagão
reza canções afogadas,
assassino bem intencionado ao peso das travessias
contra-correntes,
vendo viver luzes costeadas cada vez mais para trás,
e cadenciando a iluminura, lá em terra, estremecida
emoldurada de negro.
Obrigo-me a acreditar que o mundo
pode ser muito mais do que pensar
no próprio umbigo
e lutar na selva da sobrevivência:
– Salvar é um milagre!
Não existe manual para
o árido remar dos contras,
para acreditar nas terras recém lavradas
e na semeadura das palavras e consciências
como equipamento da liberdade!
É quando – a toque de caixa – a baixa-mar atinge
a substância da hora,
o silêncio surdo como força cartografada
da melhor solidão.
Manejam-se os calados pela baía,
festejados de cracas na segunda linha d´água,
esperando que as âncoras justifiquem o trá-trá-trá
das correntes dando-se a desenrolar
e tudo o mais que se fizer para vida.
Em nada me importa se entra sudoeste ou sul,
só que o instinto é um mal menor na vida.
A nossa morada deve estar em qualquer lugar, por aí, solta no mundo
e o consolo é o amor que abre espadas de quadris envenenados.