quinta-feira, 28 de maio de 2015

Do mirante

A. Nassaralla (26/maio/15)

Foto do local de inspiração

Portuária dormitando lanças de luz na água.
Domingo já se foi, pois que madrugada.
Os guindastes longos, longínquos desde o mirante
estanques gigantes, descansam seus músculos
que nunca parecem cansados,
dependurados no alto.


As estruturas oblíquas da escuridão
descem junto com a hora.
Gruas lubrificadas e balanças aturam,
auferindo sob a tara de toneladas de silêncio e solitude,
a atividade que vem e vai
em que se sustente
o dia de quem trabalha para escoar e estocar
labirintos de memórias de trocas mercantis,
e estórias de luares que a noite desvenda
desde o começo dos tempos,
desde o começo,
viajantes marítimos no desembarque sedento a pouca de mulheres
que servem de corpo em troca do delírio pago.


Daqui, posto a mirar,
sonho o sonho da transparência
através dos espelhos da distância, esguelhas
o noturno de alma lembrando algo que não é dessa vida,
lembrando que os segredos dos mirantes,
estando a sós ou não,
continuam como segredos
e aí está a sorte de se voar os olhos.



Escrito durante o Corujão da Poesia de terça passada! 

segunda-feira, 25 de maio de 2015

OBRIGO-ME A ACREDITAR

A. Nassaralla (19/maio/15)


A música do deus está no mar descabelado
blasfemando pelas últimas gotas 
de amarelo, violeta e rouquidão:
sob o púrpura moído e soprado 
as luzes fizeram curso de algum norte,
soçobraram leves suspiros d´água,
tremendo tramando o navega noite das correntes.

Passível de todos os amores,
a brisa calosa tenta fazer curvas rentes ao mar: 
o incenso marítimo caminha e roça os costados dos navios,
os mangues, 
e o azul negro contraparte as luzes fundeadas à boca da baía:
são auras pássaras que nos trazem sonhos de violência 
cintilante.

Estou longe,
longe do passado e do futuro
e o dique ao dissabor do abandono noturno,
recebendo aos ombros tiras fatiadas de marolas argutas,
alinhada flutuação à sorte de pequeno vento frio,
faz-me pensar na segurança dos lares
e das crianças que vão receber 
planos inteiros sem questioná-los,
e nas poucas outras,
sob força maior de instinto, 
como nuvens, 
vão nunca atracar,
para sorrir e estraçalhar os sonhos para elas sonhados.

Penso, por hora
que o mar
como um bom pagão
reza canções afogadas,
assassino bem intencionado ao peso das travessias
contra-correntes,
vendo viver luzes costeadas cada vez mais para trás,
e cadenciando a iluminura, lá em terra, estremecida 
emoldurada de negro.

Obrigo-me a acreditar que o mundo 
pode ser muito mais do que pensar 
no próprio umbigo 
e lutar na selva da sobrevivência:
 Salvar é um milagre!
Não existe manual para
o árido remar dos contras,
para acreditar nas terras recém lavradas
e na semeadura das palavras e consciências 
como equipamento da liberdade!

É quando  a toque de caixa  a baixa-mar atinge
a substância da hora,
o silêncio surdo como força cartografada
da melhor solidão.
Manejam-se os calados pela baía,
festejados de cracas na segunda linha d´água,
esperando que as âncoras justifiquem o trá-trá-trá
das correntes dando-se a desenrolar
e tudo o mais que se fizer para vida.

Em nada me importa se entra sudoeste ou sul,
só que o instinto é um mal menor na vida.
A nossa morada deve estar em qualquer lugar, por aí, solta no mundo
e o consolo é o amor que abre espadas de quadris envenenados.

quinta-feira, 21 de maio de 2015

A palavra é uma roupa que a gente veste

Poema trazido a meu conhecimento por Vitor Morais, Poeta-Coruja.

A PALAVRA É UMA ROUPA QUE A GENTE VESTE
(Viviane Mosé - E você?/Toda Palavra)

Uns gostam de palavras curtas.
Outros usam em excesso.
Existem os que jogam palavras fora.
Pior são os que a usam em desalinho.
Alguns usam palavras caras.
Poucos ostentam palavras raras.
Tem quem nunca troca.
Tem quem usa a dos outros.
A maioria não sabe o que veste.
Alguns sabem e fingem que não.
E tem quem nunca usa a roupa certa pra ocasião.
Tem os que se ajeitam bem com pouca peças.
Outros se enrolam em um vocabulário de muitas.
Tem que estraga tudo que usa.
E você, com quais palavras você se despe?

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Melissa vestida de azul e branco

Conheci o poeta Planchêz no sarau Corujão da Poesia (RJ) há uns 5 anos. De lá pra cá
desenvolvemos muitas conversas interessantes, muitas descobertas.

Edu também tem a banda Blake Rimbaud  em que seus poemas são musicados em belos rocks, com pesadas guitarras e bateria.

Deixo vocês com um dos seus poemas que mais gosto!

MELISSA VESTIDA DE AZUL E BRANCO
Edu Planchêz

Magnífico faiscar de metais em colisão,
magnífica ordem floral movendo-se sob a batuta
do pólen em direção ao máximo do máximo
da humilde montanha

É isso que vejo ao abrir os olhos
no centro da sala,
no coração da Torre do Tesouro

O grande círculo
formado por nossos corpos
une palavras-sons,
abelhas e vespas,
o corte das nuvens prateadas
ao perfume do incenso

Ergam-se pedras de cores variadas,
ergam-se rajadas de mel,
borboleta-bruxas, aranhas brancas

Melissa vestida de azul e branco
conta nos dedos as pintas
deixadas pelas noites delirantes

Blog do poeta Edu Planchêz

segunda-feira, 4 de maio de 2015

Para amanhecer

 
A. Nassaralla 
(02/maio/15)
 
Lua queda-se vermelha e rouca
para lá da madrugada,
chupada para o buraco d'oeste
que a quer sedenta e rogada
nas travessas polidas que servem crepons rubilados 
da alvorada.

Seixos em que a noite se faz guerreira
movem-se nos ladrilhos celestes,
descendo proveito às partidas,
como corações abissais que se provam
alcateias e uivos,
transpirando halos no terreno móvel 
das prateleiras lácteas
que nunca tiveram menos que o desejo, 
e se extinguiram no dorso do tempo
quando o tempo jamais existira.

Rogo ao que me pousa ao peito,
eu, absinto embarcado de estrelas
e entranhas do amor:
acerca do abandono, conheço bem  lorde 
deserdado, desacompanhante, 
volátil: nada ser por nada trocar.

Atrevo-me a dizer que a madrugada suada,
traficando espasmos dos orgasmos,
costuras esfaceladas às tramas estreladas,
seria o mesmo que fazer vencer promissórias
de amores não cumpridos,
das castidades e da estranheza por onde correm,
cavam e se encontram corações prometidos
nas tranças em que o destino escreve,
sorriso curto de quem já tudo sabia 
muito antes dos Tempos.

Dito à galope,
rodopiam as últimas estrelas num bailado
escarnecido e os senhores da inquisição 
ordenam pela incineração da madrugada. 
O escrivão das portas alvoradas
anota a lua vermelha,
mandando-a às mandíbulas jovens e famintas,
sem deixar de sugerir:
_ Para quê tanto estrebuchar, poeta, se tudo é somente
mais uma manhã a chegar?