terça-feira, 19 de julho de 2016

DOSSIÊ: POEMAS PARA O NOSSO TEMPO (Revista Cult)


DOSSIÊ: POEMAS PARA O NOSSO TEMPO - Revista CULT - n. 213 - ano: 2016


A revista Cult disponibilizou no seu site o Dossiê sobre poesia contemporânea publicado em sua edição passada. 


O dossiê é composto por dois artigos escritos por Heleine Fernandes de Souza e Alberto Pucheu.


Os autores foram felizes em afirmar que os poetas destacados e analisados não representam o que existe hoje em diversidade e qualidade. São apenas uma pequena mostra para que o ensaio pudesse ser feito.


São citados os seguintes poetas (alguns com poemas reproduzidos na matéria):


Angélica Freitas, Bruna Beber, Annita Costa Malufe, Marília Garcia, Sergio Cohn, Ana Martins Marques, André Luiz Pinto, Pádua Fernandes, André Monteiro, Tarso de Melo, Antônio Lazzuli, Mariana Ianelli, Maíra Ferreira, Leonardo Gandolfi e Caio Carmacho,


Além desses nomes, juntam-se outros três com "o trabalho inespecífico entre poesia, narrativa, vídeo, artes visuais e performance, que tem sido feito": Victor Heringer, Laura Erber e Ricardo Domeneck.


Importante também citar dois trechos do Dossiê em que são analisados dois poemas que me chamaram a atenção. O primeiro, "a mulher pensa", no qual a poeta utilizou o buscador Google para achar as sentenças mais procuradas pelas pessoas a partir do tema-título. Heleine Fernandes de Souza assim escreve:

"Na seção “3 poemas com o auxílio do google”, Angélica Freitas faz um ready-made a partir de informações disponibilizadas pelo dispositivo de busca do Google, dando a ver o quão restritivo e proibitivo pode ser um discurso de saber. Segue o segundo poema da série:
a mulher pensa
a mulher pensa com o coração
a mulher pensa de outra maneira
a mulher pensa em nada ou em algo muito semelhante
a mulher pensa será em compras talvez
a mulher pensa por metáforas
a mulher pensa sobre sexo
a mulher pensa mais em sexo
a mulher pensa: se fizer isso com ele, vai achar que faço com todos
a mulher pensa muito antes de fazer besteira
a mulher pensa em engravidar
a mulher pensa que pode se dedicar integralmente à carreira
a mulher pensa nisto, antes de engravidar
a mulher pensa imediatamente que pode estar grávida
a mulher pensa mais rápido, porém o homem não acredita
a mulher pensa que sabe sobre homens
a mulher pensa que deve ser uma “super mãe” perfeita
a mulher pensa primeiro nos outros
a mulher pensa em roupas, crianças, viagens, passeios
a mulher pensa não só na roupa, mas no cabelo, na maquiagem
a mulher pensa no que poderia ter acontecido
a mulher pensa que a culpa foi dela
a mulher pensa em tudo isso
a mulher pensa emocionalmente"

in: Um útero é do tamanho de um punho (2012), de Angélica Freias.



No segundo artigo do dossiê, escrito por Alberto Pucheu, temos o segundo poema que me chamou a atenção:


"Pode ser constatada ainda a presença de um tipo de poesia que não se deseja profunda nem – previno – superficial no sentido habitual dessa palavra, mas que incorpora obsessivamente traços da cultura de massa sem se render a ela e extraindo dela intensidades e humores insuspeitos, como, para dar apenas dois exemplos, a de Leonardo Gandolfi e a de Caio Carmacho, de quem trago um poema de livre-me, sua estreia (2013):

espírito natalino
que seus parentes bêbados não destruam a mesa
vomitem nas samambaias briguem no meio da
ceia no meio da rua à porta do banheiro por
causa de herança da opção sexual do time de
futebol de um dos sobrinhos afastados que até
pouco tempo atrás dividia o quarto com mais
dois universitários de curitiba imagine só a cena
sua vó chorando a morte do poodle da família
dizendo que preferia morrer a ter que continuar
os dias sem ele seu pai introspectivo registrando
tudo ao mesmo tempo com a tekpix última
geração profetizando que se o mundo não acabou
no dia 21 foi por um erro de projeção mas que
deste natal ninguém passará incólume enquanto
os menores rasgam suas caixas e agradecem
a graça recebida as bermudas e camisetas
importadas da feirinha você suando feito um
cavalo enchendo o cu de peru flertando com o
decote daquela priminha adolescente de seios
desenvolvidos e procurando as palavras certas
para se desculpar com a noiva namorada a vida é
assim mesmo meu amor todas as passas são uvas
de águas passadas.
boas festas!"


Agora deixo o link dos dois artigos do Dossiê Poemas para o Nosso Tempo para quem quiser se deleitar!

O indiscreto charme da poesia contemporânea
Fortalecendo a circulação de diferentes preocupações e lugares éticos, a autoria das mulheres toma corpo de um modo inédito na literatura brasileira


Poesia que intervém no tempo
A nova geração de poetas brasileiros dedica-se à criação de afetos, pensamentos, linguagens, gestos


sexta-feira, 15 de julho de 2016

Canção para a pequena garota azul - Janis Joplin

Assisti ao filme da cantora Janis Joplin e no dia seguinte foi impossível evitar esse poema que saiu como um jorro praticamente completo.

O filme 'Janis: Little Girl Blue' entrou
em cartaz essa semana (12/jul/16)

CANÇÃO PARA A PEQUENA GAROTA AZUL
A. Nassaralla (12/jul/16)

à Janis Joplin


Acho que entendo que os poetas verdadeiros largaram a escola para trás
e procuram atender a tudo menos a ela, não é mesmo pequena garota azul?


Tudo menos as regras. Tudo muito, tudo menos as fórmulas.
Tudo menos a teoria. Tudo menos o que não somos,
e o que somos está livre das escolas da humanidade,
está nas estrelas e cadências do Universo,
está no que é impossível de planejar
no caminho dos corações imensos,
serenata de silêncios de grilos 
e você cantando Summertime
com as temperanças de seu sexo, 
permitindo-se tocar no que está apenas para os deuses:
- sua voz, elixir dos libertos.


Agora, sua obra é para quem procura amor e a si mesmo
nessa terra estranha a nós, os que nos defendemos aos pontapés.
Já passamos há tempos para o lado de lá;
impossível que se volte,
e cheiramos a liberdade sufocante de ser quem somos.


Enquanto uma manhã deleita-se às pratarias do sol dançando brilhos no mar
e tantas outras são-nos estrada para fixarmos o diferente
e o sistema apregoando firmemente que somos desajustados, mal capacitados, coraçãozudos demais para entender de finanças e capitalismos,
de famílias, de costumes, de limites, de ovelhas,
entender pastores eleitos por outros pastores,
tradições, e demais convenções preliminares para o bom funcionamento social,
da ordem e da prudência.
Estaremos de outra forma, apenas cumprindo sinas,
despertando os lados calados de todos, as almas desligadas do mundo
as consciências adormecidas com o 'Boa Noite Cinderela' das mídias.


A garota vai botando a mão das palavras e de seu canto nas cabeças e destrancando 
ilusões que eles franquiam, e em toda esquina dos pensamentos
eles estão lá para nos assaltar a vontade própria.


Pequena garota azul
que sua mensagem de potente menina indefesa
continue cantando às gerações,
a esperança de aves no céu,
de que se estar livre também é estar sozinho em si mesmo,
de que seu homem te deixou e você continua chorando 
para nunca deixar de amar alguém,
cantando loucamente que "precisa de um homem para amar"
e que se as pessoas que queremos que nos entendam não estão prontas.


O mais importante é seguirmos a missão,
ver nossos corações de dentro para fora, 
instinto de filhote na selva,
o caminho das últimas horas da madrugada em que o escuro cede
e as formas vão se tornando mais nítidas.


Isso: nitidez. A isso viemos, a isso entregamos nossa vida:
nitidez, a isso despertamos.
A liberdade tem uma grande dose de nitidez.


Apareça pequena garota azul, 
continue sua viagem 
sua verdade da estrela livre
aos beijos e abraços com o destino insolente de sua mensagem,
como um passarinho voando e 
que avisa, desde já, e, talvez, sua direção seja a diferença,
a única correta: 
preencher o que ninguém mais teve coragem, 
botar no amor
sua alma inteira.