terça-feira, 25 de junho de 2013

Tarde Laranjeira


A tarde laranjeira
descortina suas flores brancas
proliferando invernos descanteiros,
desfolhares,
e sei que apenas seu olhar há de vir inteiriço
sublevado em fogo e frio:
sobrancelha da luz amarelecente …

Sinto tudo como uma inteira confusão
das infusões de cravos e do amor que insiste, amigo,
amor-potência dos que acreditam na tarde
e hoje a luz é de azeite para as ciganas e mouras,
mesclando raças,
suas peles,
cor mourisca, cor morada
prevejo seus corações e olhar,
alambiques de silêncios e madrugadas acastanhadas,
caminham os espelhos da tarde.
Seus dentes trazem a maçã da esperança
seus olhos trazem os jardins e civilizações inteiras
lua que goza de brisa alicante
caçando livros e eternidades,
cheio de tâmaras nas mãos como poetas cheios de versos
caminhando no silêncio,
vaga-lumes da corrida doçura e dos lábios por entre suas coxas,
da lua Rubayat que espera pela corrida da tarde
espera o laranja torrão ceder
espera o pavilhão existente da tarde.

Insistir que a razão é uma loucura;
ladram os cães
correm as luzes
a areia se mexe, séculos e crepúsculos descem
e a vigília dos amantes amadurece.

Lua Rubayat:
é que meu corpo inteiro atira-se,
é que a tarde passa alaranjarante em todos os seus telhados
é que a ternura vem cheia de uvas e orvalho,
e uma pequena taça de tristeza rubi,
e sua cabeleira é como água fresca corrente nas bicas,
e o fumo do sândalo vai correr depressa ao poente.
Diga que a tarde laranjeira é só mais um encanto
só mais uma chance de sonhar
mais uma glória a voar perfumada
somente mais séculos e mais rotas.

Sábia laranjeira: ignora os amante e se espalha de branco.

A. Nassaralla
23/jun/13

quinta-feira, 20 de junho de 2013

Acima da oliveira


Detrás à oliveira,
parte a lua ladra
com a orvalhada tocada de almíscar
fazendo a honras da noite
debruçando por sobre onde, até pouco
reinava a tarde cor de azeite e, depois,
o mar de céus que pareciam nunca querer parar mais de morrer...
Agora restam anjos, o negrume lantejoulado de estrelas, você e a lua por romã derreada

Para ser sincero,
o dia que se aposentou manso e calado
abriu caminho, berberando para a busca de
cavalos negros selvagens que permaneçam livres
mesmo que para isso tenham de correr para dentro do vácuo dos penhascos;
assim também para as odaliscas em forma de sangue cristalizado

A lua
por devasso ofício
sobe inteira de esperanças e nada de amargo trará;
apenas fumaça e sonhos que a noite do deserto sabe transladar
Sobe a lua, conjuntura escorpião
destilando e repartindo todos os ocultos
com sua luz de água prata
rebatendo-se mártir e sombra oliva
refastelando-se com o nácar bruto das virgens e dos loucos
concedendo nada de brisa
transversa de solitude, magnífica
quase completo fio de espelho transluzindo
e esfregando-se dentro em mármore branco
e a voragem fria do maio,
cada vez mais e mais e mais,
cada vez mais acima da oliveira

23/05/13

Álvaro Nassaralla

terça-feira, 18 de junho de 2013

Um Fenício já nasceu com todos os ventos


A custa de que dor minhas palavras machucassem como
Um solo lascado de Hendrix,
A custa de que tarde deflagrada de solar impudicícia, 
Minhas palavras rasgassem-se terremotas,
Em troca de que pier estourado de lua.

Flutuam como uma borboleta violeta
Ou a fenícia púrpura dos sonhos e dos comércio das rotas,
Nuvens de passagem e os olhos da amada brilhados de cedros,
Para sorrir no mar mais difícil:
Ser chamado de louco pelos corajosos,
Imprudente pelos razoáveis.

Inclementes, os astros conjuram para a rota dos desassossegados
E juro, puro mar e mar, que a proa traz-te ânforas
Com óleo e mel e pistaches
Pelas cristas das ondas formadas em jóias de corais marujos
E pérolas encaracoladas,
E o tempo do mar é tão outro,
Tão antepassado.

Trago-te o alfabeto, as rotas marítimas lidas nas cartas celestes,
Tantas conchas pisadas
Merlins devolvidos ao mar
Dialetos misturados e gestos nos mercados de trocas
Naus nuas contra as ondas como gigantes de pétalas.

Trago-te mouras de pele de algas e carmim para a troca:
 – “Seu lar vindouro mais belo …
A moura quer amar seu homem e esse homem,
Acaso, poderia ser você!”

E o mar sabe acariciar os homens de jornadas
E encontrar nos alvos fáceis de suas próprias injúrias
Convencendo os cascos das embarcações
Que dele são mais furiosos os amores e dores.

O mar é sempre o primeiro a chegar …

E amar de verdade é só para quem já perdeu.
E cultivar de verdade é só para quem já naufragou.
E a religião é o mar batido e violento
Fazendo do vento os olhos em velocidade
Em que os grandes encontram desapego na aventura
Livrando-se das roupas da circunstância para serem 
Verdadeiros e unos
Para chegar novamente à terra com as pernas bambas de tormentas
Sorrir o novo crepúsculo sangrento 
Que caminha todos os pavimentos de luz até que cheguem 
As estrelas ...
E meu coração tem cheiro de chuva que vem,
Apoiando-se na lua bumerangue que traça o pátio,
Seus canteiros, 
A repentina alfazema,
Rebenta o mar na desordem da costa.

E para navegar tem que se fazer delgado
A custa de mercadejar ao quatro ventos,
Beijando, amada, a morena com olhar sujo de prata
Repousando nela um pouco da inquietação,
Que para tecer o menino,
O homem inabitável trama às suas, as pernas da mulher;
E nesse bailado é que caminha o mar pelo mundo,
Abrindo-se em portas e castigos
Defumando areias com sua salmoura
Tramando o diamante líquido das águas-vivas
Berilando as linhas das costas contra a vegetação
Perpétuo ir e vir para que o homem saiba-se apenas breve suspiro.

O mar é sempre o primeiro a chegar.
As rotas estão escritas há muito.
As constelações sempre.
A mulher que me ficou na distância dos mares ensinou-me 
Os olhos tristes e fortes.

Um Fenício já nasceu com todos os ventos.

13/jun/2013

A. Nassaralla


segunda-feira, 17 de junho de 2013

Lua Levante


Redonda quando pariu-se à leste
Desabrochada de pétala e pústula em chama
Maruja às altas marés:
Meu lugar é onde estou
Quando a costa toda em prata sorri ultrajada,
Prostrada.

À leste, sangue verte quando irrompe.
Dá a certeza da cascata de raios pratas, 
vestida de nudez, calçada de liberdade.
Põe os pés nos beijos irremediáveis com que o silêncio
Sideral esmaga-se de transparência.
É dama nova para os homens-multidão,
Açafrão para os textos corridos na areia,
Vinho branco para o fogo das ruas erradas,
Amor para o infiel nos lençóis mais passageiros,
Fagulha para o compromisso ritmo do suor
Canto para o jasmim cheiro de madeira e pele ofício:
Conhece os homens e seus desatinos.

Cheia e prata para ser quem é,
Leito celeste dos amores de partida,
Do silêncio com que as folhas são o coração nesse outono,
Na guerrilha-existência,
No líquido que se atreve escorrer de nome poesia,
No insulto que é nosso em manter a claridade em um mundo
Farsante,
Na culpa da lua, fogo, frio, fugidia,
Primeira à leste,
Ser a cor do crepúsculo,
Ser o sinal para a nau perdida nas ondas,
Ser o que arde, o que constela, o que arrepia
O que destrona , o que descabela,
O que conhece o que vai ainda ser conhecido,
O que irrompe das bestas de carga modernas que nós,
O que desatraca, o que rebenta paredes, o que goteira
O que florido para a criança,
O que propaga e realmente importa,
O que deslumbra-se orvalhado,
O que insurge em nossos peitos,
O que restaura a verdade:

Do que se esquecem os poderosos,
Do que voa nos vagabundos,
Do que luz na pracinha deserta-nua,
Do que consubstanciante dos realmente eleitos de pureza,
Dos que palavram o palavrão que é ser livre,
Dos que amedrontam o poder com os olhos faiscantes,
Dos que promulgam a direção nova dos frutos outoneiros,
Dos que nada prometem e derrubam reis,
Dos que navegam águas incendiárias e beijam o estio com a língua das auroras,
Dos que penetram por entre as rachaduras com o silêncio guerrilheiro,
Dos que perguntam o que não deveria ser perguntado,
Dos que semeiam a abóbada da tarde morna com a matéria do brilho e da bromélia,
Dos que oxidam o que já mais do que oxidado,
Dos que sapateiam sobre o mar da meia-verdade,
Dos que golpeiam as raízes e arrancam o prego da exploração,
Dos que hemisférios da loucura aprontam existência,
Dos que voz dos excluídos, sem pátria, párias, poetas
Cuspidos na força do capital, dos rasgados,
Dos com frio e fome e sem orgulho,
Dos ausentes, dos feridos, injustiçados, sublevados, abruptos, papoulas,
Perdidos,
Elas que fazem pista, infâmia
Dos sacudidos de vazio,
Dos pantanosos de vida marquise, mendigos ajasminados, Jesus Cristos maltrapilhos,
Dos esquecidos e desterrados, substratos, beirantes, transgressores,
Germinados, súbitos, súditos, frutos, sujos,
encarvoados com perfume longínquo que chega do mar de chuva,
os desferidos os castigados, os famintos, os de luz, os que odeiam cochichos,
os que se assumem imperfeitos,
os que ainda não comeram hoje,
para todos eles, levante.

Levante.
Culpa da lua levante,
Levante, levante lua.


Maio/2013

domingo, 16 de junho de 2013

Lua caravana


A lua bateu a brasa do cigarro
Derrocando o sol
E lambeu-me libélula ditame
Tecendo-se, ela, laranja-prata nu
Crua manha no estertor da hora desce

Vai ela, lua, e seu enxame de estrelas ímãs
Perpetrar o adiante diamante
Caravana que parte em direção
Aos corações trambulhentos

A lua, culpada ela
Retirou-me o que tinha de ingênuo
E me deixou nu, no meio da rua, para o resto da vida
Para o resto da vida, caravana

Vamos nos ater
 Aos incêndios refratando almas almíscar
Às putas revirginizadas, transluzidas
Ao anoitecer deixando de ser máscara
Ao desajustado de mim aparecendo nostálgico nos penhascos
À lua como imperfeita possibilidade de lar

Segue em caravana, culpada ela
E tomo o prata viajandeiro
Os olhos imensos da lembrança
O perfume das pernas lâminas
As vísceras da transgressão silenciosa
O lado oculto bérbere do esperar
Esperar dentro do nada

Sim, passa a lua, passam silhuetas , passam corsários,
Passam irmãos, passam os cães, passa a animália, passa a carga
Passam, passam, passos

Nômade natureza achacada e sem âncoras

A lua, culpada ela
A lua, caravana


Maio/12

Bússola


É que me vem cheiro de algo novo
De nascer acordado.
Sinto a estação aniquilada e vou ser certeiro

Tenho amor
E tão certo estou de que o profano
É o simplesmente humano

Vou lançar mão do brilhante aluvião de memórias
E ser um só para frente
Buscar amor no coração-lixo
Benzer-me animal anômalo das pradarias e dos trigais
Suspender o tamanho da tarde
Numa bola estranhamente bela por sobre a cabeça
Içando meu coração barcaça atroz do um quarto de lua
Torto herói maltrapilho que é o sol peneirado em mata

Que as crianças todas do mundo vão reunir a rebelião do riso
As estradas serão sem fim
Os entroncamentos serão raça
A fé errará, pois já estará acontecendo
Premiando o justo, destruindo a fome,
Encharcando o medo com magnólias prementes
Cicatrizando as chagas em forma de nectários bem beijados.

O fruto será delicado
O sempre, ente cavaleiro
A vida, encanto difícil de acreditar.

O grave é acordar.

O enredo: verão definhando.

Os castelos: mentira.

Os muros, todos a cair.

Bússula, descontrolada.

Porque o outono já vem!


09/mar/12
A. Nassaralla

sábado, 15 de junho de 2013

O outono quem vai dizer


Muitas das melhores mentes do meu tempo
estão vendidas,
e a velocidade dos séculos funciona como
uma combustão incessante.

A verdade é cruel: ela vem como um trem descarrilhado
e quando você achar que o peixe está fisgado,
ele dará rabanadas espetaculares até alçar,
na última hora, sua fuga como rota de liberdade do poema
improvisando e salteando em meio a pântanos de farsas,
enquanto uns poucos dominam e
muitos concedem o melhor de sua alma a servi-los.

A lua nunca vai poder ser sua
nem se você a comprar
mas eu-poesia posso ser da lua.

Quero escrever com o tronco arrancado sem
raízes,
como a madrugada solta no crespo do vento.
Já sinto o outono penetrar em todos os poros
como coragem feita de fúria e medo,
vendo através dos tempos
os versos itinerantes, caravanas, inconformados, rebeldes.

Esse é um tempo de várias formas se tomarem como liberdade,
mas cuidado: são liberdade farsantes, hipócritas.
O sol nascerá apesar de todas essas escapatórias
e o ludibrio será engolido por um firmamento amoroso,
através dos cabelos negros do mês de março em promessa.

Regatos límpidos, como a luz primeira da aurora,
caminham serenos e firmes em direção ao mar
como o dique que aguenta a violência de um mar inteiro 
chegando dos quatro cantos do globo,
como a vitória alcançada em paz
e florida a madrugada clara dos avantes.

Avante!

O outono quem vai dizer das palavras que surgirão na verdadeira liberdade.

Avante!

O outono quem vai dizer.

25/fev/13
A. Nassaralla

Estradeiro


Naqueles dias loucos
Comendo nada
Ânsia desvelada
Na lua, meus olhos nariz e boca
Regurgitando os muros da cidade
Fazendo papel de são
Papelão de poeta desvirginando a solidão
Mentindo horrores para o amor
Para longe do destino
Guiando-se apenas pelos girassóis estradeiros

Extra-amar para quem viaja a perdido

Meio arco cravado de lua no espaço

Vai dizer que tem paz.
É só continuar na lida
Só buscar as emboscadas que não mentem
Os planetas, nos bordéis-cortiços, batendo no chão
As crisálidas purpureando a madrugadada
Cantando com o orvalho doce, adagas do prazer
Agarrando forte na crina do medo
E ainda assim desafiando asteróides
E à boca de carona em vendavais
O galope certeiro dos dias loucos
Comendo nada
Mendigando brilho nos submundos
Crente de que nasceu na sina
Ânsia desvelada
A buscar um tonel dourado de paz.

Precisamente preciso encontrá-lo



07/12/11
Álvaro Nassaralla