domingo, 5 de abril de 2015

Uma Lição de Desenho



Uma Lição de Desenho
Nizar Qabbani (Síria)


Meu filho coloca à minha frente sua caixa de tintas, e pede que eu lhe desenhe um pássaro...
Embebo o pincel na cor cinza, e desenho-lhe um quadrado com um cadeado... E barras.
Meu filho me diz, e o espanto preenche seus olhos: 
“Mas isso é uma prisão... Meu pai, tu não sabes desenhar um pássaro?”
Digo-lhe: “Meu filho, não me leves a mal, de fato esqueci a forma dos pássaros”. 

Meu filho coloca à minha frente, sua caixa de lápis, e pede que eu lhe desenhe um mar...
Apanho um lápis e lhe desenho um círculo negro...
Meu filho me diz: 
“Mas isso é um círculo negro, meu pai... Não sabes desenhar um mar? Não sabes que o mar é azul?”
Digo-lhe: “Meu filho, em meu tempo era perito em desenhar mares, quanto à hoje, levaram meu anzol, e o barco pesqueiro, proibiram-me o diálogo com a cor azul, e de fisgar o peixe da liberdade”.

Meu filho coloca à minha frente um caderno, e pede que eu lhe desenhe uma plantação (espiga) de trigo... 
Apanho a caneta e desenho-lhe um revólver...
Meu filho debocha de minha ignorância nas artes plásticas, e diz surpreso:
“Não conheces a diferença entre o trigo e o revólver?”
Digo-lhe: Meu filho, no passado, eu conhecia a forma do trigo, do pão e da rosa... 
Mas neste tempo metálico, em que as árvores da floresta se uniram aos homens das milícias, e em que a rosa passou a vestir roupas camufladas, no tempo das espigas armadas, dos pássaros armados, da cultura armada, e da religião armada... Não há pão que eu compre que não contenha um revólver. 
Não há flor que eu colha no campo, que não aponte um revólver para minha face. 
Não há livro que eu compre que não venha a explodir entre meus dedos...

Meu filho senta-se na borda da cama, e pede que eu lhe recite um poema... 
Uma lágrima minha cai no travesseiro... 
Ele a apanha perplexo, e diz: “Mas isso é uma lágrima meu pai, e não um poema”.
Digo-lhe: “Quando cresceres, meu filho, e leres uma antologia de poesia árabe, saberás que a palavra e a lágrima são irmãs, e que a poesia árabe, nada mais é, do que uma lágrima que emerge dentre os dedos”

Meu filho coloca à minha frente suas canetas e sua caixa de tintas, e pede que eu lhe desenhe uma pátria... O pincel estremece em minha mão... E caio chorando...

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