Uma Lição de Desenho
Nizar Qabbani (Síria)
Meu filho coloca à minha
frente sua caixa de tintas, e pede que eu lhe desenhe um pássaro...
Embebo o pincel na cor
cinza, e desenho-lhe um quadrado com um cadeado... E barras.
Meu filho me diz, e o
espanto preenche seus olhos:
“Mas isso é uma prisão...
Meu pai, tu não sabes desenhar um pássaro?”
Digo-lhe: “Meu filho, não
me leves a mal, de fato esqueci a forma dos pássaros”.
Meu filho coloca à minha
frente, sua caixa de lápis, e pede que eu lhe desenhe um mar...
Apanho um lápis e lhe
desenho um círculo negro...
Meu filho me diz:
“Mas isso é um círculo
negro, meu pai... Não sabes desenhar um mar? Não sabes que o mar é azul?”
Digo-lhe: “Meu filho, em
meu tempo era perito em desenhar mares, quanto à hoje, levaram meu anzol, e o
barco pesqueiro, proibiram-me o diálogo com a cor azul, e de fisgar o peixe da
liberdade”.
Meu filho coloca à minha
frente um caderno, e pede que eu lhe desenhe uma plantação (espiga) de
trigo...
Apanho a caneta e
desenho-lhe um revólver...
Meu filho debocha de
minha ignorância nas artes plásticas, e diz surpreso:
“Não conheces a diferença
entre o trigo e o revólver?”
Digo-lhe: Meu filho, no
passado, eu conhecia a forma do trigo, do pão e da rosa...
Mas neste tempo metálico,
em que as árvores da floresta se uniram aos homens das milícias, e em que a
rosa passou a vestir roupas camufladas, no tempo das espigas armadas, dos
pássaros armados, da cultura armada, e da religião armada... Não há pão que eu
compre que não contenha um revólver.
Não há flor que eu colha
no campo, que não aponte um revólver para minha face.
Não há livro que eu
compre que não venha a explodir entre meus dedos...
Meu filho senta-se na
borda da cama, e pede que eu lhe recite um poema...
Uma lágrima minha cai no
travesseiro...
Ele a apanha perplexo, e
diz: “Mas isso é uma lágrima meu pai, e não um poema”.
Digo-lhe: “Quando
cresceres, meu filho, e leres uma antologia de poesia árabe, saberás que a
palavra e a lágrima são irmãs, e que a poesia árabe, nada mais é, do que uma
lágrima que emerge dentre os dedos”
Meu filho coloca à minha
frente suas canetas e sua caixa de tintas, e pede que eu lhe desenhe uma
pátria... O pincel estremece em minha mão... E caio chorando...
Fonte: http://www.gazetadebeirute.com/2013/08/o-grande-poeta-arabe.html#ixzz2hXXmwutD
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