Diante a
vastidão do Mississipi,
apoiado
em seus parapeitos quilométricos
pude
ouvir sem beiradas,
palavras
recortadas em negrito
palavras
que ouvi no silêncio barulhento da mente:
– Sou um
vagabundo em qualquer lugar do mundo
Diante a
vastidão do Mississipi
ouvi o
duradouro dos séculos
como as
primeiras aulas que o tempo serve na bandeja da vivência
e a alma
dizendo o que está há muito, muito tempo dizendo
Diante a
vastidão do Mississipi
apoiado
na mureta das margens, olhos na distância
num
único pensamento translúcido,
limpo e
azul como o volume imenso de água resignada
deslizando
preguiçosamente em direção ao delta,
ouvi uma
voz soprar por dentro do ouvido:
– Sou
mesmo um vagabundo em qualquer lugar do mundo que eu vá
No
instante,
milhões
de almas azuis reuniram-se.
Juro que
não tenho mais me metido em confusão:
minha
paixão está mais calma.
Os
pensamentos, confusos como sempre
mantendo-me
ocupado demais,
sempre
procurando uma nova saída
Nas
margens do Mississipi, calmaria.
Os
calados dos navios manobram a curva
do
velho, manso rio
Próximo à
margem,
aves
habitam o assoalho terroso
saciadas
ou esperando a hora certa de fisgar
seus
peixes,
bem onde
o gigante perdeu o pudor
e quase
como que tocando um Dixieland de bordel
deixou,
como rendas de putas,
seu
leito aparente
Enquanto
que eu
aprendiz
dos aprendizes
não fixo
um sequer saber em quem sou.
Sou o
pior dos aprendizes
pois que
me falta deslumbre,
sobra-me
pó dos tempos.
Tenho o
consolo dos milenares meretrícios e dos clarinetes
com seu
som agudo-amadeirado
Mississipi
pai do
pai das saudades
caudaloso
manso azul
roçando
seus ombros nos diques
soprando
trompetes amanteigados quando desliza sob os deques
driblando
seus ancoradouros no entardecer
–
Diga-me, ó imenso velho Rio,
quem
vive de alma, quem vive de orla, quem vive de margem?
– Ó
grande Divindade! Um dia quis ser perfeito
e de
perfeito, o que me sobrou
foi a
mais completa correnteza,
mais
luminosa desastrez. E você,
grande e
manso, carrega sem peso
águas
imensas e amontoadas
E ele me
responde:
– Estou
cansado. Venho rolando como línguas epilépticas a milhares
de
milhas. Agora estou por pouco dando-me ao mar.
Quantas canções
ainda para serem carregadas correnteza acima ou abaixo,
junto a
corações partidos terei?
Seus
navios passam carregados de cereais, talvez minerais.
A lua
completa
de círculo
surge,
bem na direção do delta
Apoiado
em seus parapeitos,
não me
sinto mais um vagabundo:
sinto-me
amado, sinto-me lugar,
sinto-me
novo de novo
Quantas
luas estarão entre nós, novamente, ó Mississipi ?
Eu,
diante sua imensidão
e você,
escorrendo águas marinhas, pedras de água azul,
doces
lâminas de abandono?
Ei, a
vida é só de partida.
Cada dia
uma nova vida.
Assim
assina o Gigante azul
New Orleans
De 13 a
27 de setembro de 2013
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