quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Batismo do inverno

Folhas caem, nuvens passam, inverno se aborboleta.
Agarrei meus dias como fruta madura caída na relva,
como sardinha na boca da gaivota flanando por sobre
as letras da ressaca,
e o semblante da costa engolindo as ondas em fúria.

Há que existir o dia em que quando me disserem: – “Colha”,
eu plantarei e plantarei sem nunca parar para colher,
livre dos prejuízos e do egoísmo.
E quando a lua se pregar lata redonda no espaço,
astros seremos todos os que a terra habitam
e os poetas serão definitivamente desnecessários.
Nesse dia de abcissas,
dia diagonal decorado de espelhos arabescos,
avarandados
descortinados
de laranja virado, trans-azul
haverá felizes aves avicenas vidrando os faróis das ilhas
e ecoando seu grasnar confuso nas rochas que se dão beijos ao mar.

Sarar é próprio do sal.
Folhas caem batizando o inverno.
Dia aberto como azul-regata:
e podem as gaivotas, num desatino de tempo
viverem suas vidas inteiras,
e o incoerente do meu peito ir secando ao sol
desfraldando as bandeiras e a caligrafia da vadiagem,
fazendo transnudar o temor,
elogios em que os desenhos da tarde trançam-se abóbada,
luz, doural e semi-vogais paradas no ar,
para serem grandes profetas da imaginação
todos aqueles a que um dia como esse se destinassem aventureiros.

A fé se parece com um tapete ornado nômade.
Os tronos são as mentiras que não quero para mim.
As nuvens passeiam como se num eterno parque de diversões.
O canal deixa a maré entrar alegre.
O dia limpo lambe e se lambuza com sorvetes de safira.
O sol cor-de-saibro refrata-se, refinado, ao desenhar o remanso das ondas.

– Vento, vós que sois da forma exata do mundo e suas curvas,
diga-me, em que cota o mundo se inscreve ?
– Diga-me onde está a paz para quem é discípulo do vento ?
– Diga-me que, para quem está na busca, nada é por acaso?

Resta o desflorar como exercício de camadas,
o desnudar como ofício da palavra.

Se já estamos escritos, não sei.
Se já estamos na sina, também.

Mas o inverno avança!


20-21/ago/13
Álvaro Nassaralla

(Iniciado no Sarau Corujão da Poesia - Leblon - Livraria Saraiva)

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