terça-feira, 24 de maio de 2016

POEMA MELODRAMÁTICO - ou Noturno da Mauá


POEMA MELODRAMÁTICO - ou Noturno da Mauá
A. Nassaralla (20/maio/16)


Melodramático é o meu caralho: 
sou melancopunheta das tardes rodoviárias.
Mas o alter, aquele ego, pergunta zombeteiro:
Você quer colocar toda a sua vida numa poesia de estiva?
Não faz sentido, nem diferença:
ou a diferença é o sol boquiaberto,
logrado em vergamento mortuário.

Vou colocar uma grande dose de vagagem
na domingália noturna, então 
onde sou dono absolutamente de nada de mim,
beirando baía, no conforto único
dos brilhos espichados na água longa
dos cais da Mauá.

Nem precisa dizer que há
um zumbido silencioso,
que faz mais fantástica
a luminária que se espalha:
espraiam esponjas de luz amarela
nos cantos da praça.

Pode chamar o cais de cafajeste
mas ele é apenas um homem torto:
só sabe gostar de poemas com espinho,
daqueles que, mesmo de amor, arranham 
e mostram o cadafalso aberto ao universo.

Porque se sou, sou nascido em dor de pétala arrancada,
sou a tarde inteira da criança, olho pousado ao infinito,
o roer de medo e sobre-atacar vândalo,
que pulo a responsabilidade para comigo mesmo,
e jogo fora todos os votos, e penso
o homem só seria livre se nascesse como gato,
súbito de ternura como a tecitura de um campo de lírios,
livre e baldio como um soco no estômago de toda a política da vida,
e mesmo assim, pergunto:
Teria de se esconder entre as quatro paredes das horas do dia
e da vontade egoísta?

O mundo como é jogado só pode ser uma grande sacanagem.
Tirando as cartas marcadas,
quando as coisas começam a dar certo para os anjos
e para os delirantes,
as cartas são embaralhadas
e se é obrigado a começar tudo de novo.

A noite pode esperar como uma barba rala,
além de todas as masculinizações dos olhos cansados e baixos.
É triste como ao pensar nas meninas iniciando-se no sexo
com seus namoradinhos adolescentes,
e os heróis carcomidos por lâmpadas de luz branca;
estamos ficando assépticos demais, flats demais,
filhos da Disney-templo-decadente,
multidão despersonalizada do século XX em direção a poesia despersonalizada do XXI,
crentes que ser moderninho é ser soft. E é mesmo. Não passa disso.
Eu mesmo não posso sê-lo.
Nem sei o que sou !? Navego submarino por um amálgama fluído 
de beira e extremos, de cores e lacerações, de bom exemplo mau,
de perdão e facada.
Ei, a Mauá acabou de me dizer que nesse dia e hora
eles estão em suas casas sendo nada.

Muito menos eu 
que faço confissões como forma de estar em algum lugar no mundo,
no agora, empurrando a ponta da caneta sobre o pautado,
e como um velho reclamando que se perdeu o mistério de tudo,
e o lírico e o romântico e o utópico estão fadados
a sorte de uma flor que caiu,
na esquina, da bagageira de um motobói veloz.

Tenho 47. Na verdade, 48. Não sou velho nem novo.
Porém, meu coração não está pronto para não sentir.
Mauá, estou sentindo demais!

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