terça-feira, 24 de março de 2015

Sílaba morta de verão

SÍLABA MORTA DE VERÃO
A. Nassaralla (17/março/15) 

Guitarra de algodão canta ao vento,
saboreia e achaca à conta de aduanas
o cheiro destemido do brilho que decepa 
cabeças de estrelas.

Não há mais confusão nos epitáfios. 
Dizem todos:
colha antes que apodreça.

Dizer que outono é, não é.
O cheiro de luz quase.
Nada estação nenhuma.
Mato capinado de manhã cedinho
com cheiro de orvalho-verde-virgem.

Estou pronto para os jasmins locatários das brisas
adornos do tempo de águas fornicadas,
perfume doce que vem achatado 
entre duas palmas de umidade, 
corpo mais próprio que galhos começando 
a querer falhar de folhas,
emprego da mortalha dos dias 
que descasca a fruta e continua até
o caroço e continua até sugar essência, 
separar a água que existe no sangue.

O sol já virou
e essa é minha única esperança nítida 
nessa sílaba morta de verão.

Não interessa se o mundo bárbaro - que é casa -
quer desculpas para a relva que cresce 
menos de um um palmo.

As trouxas já estão arrumadas 
de névoa língua, 
as estantes todas derrubadas,
com o que dou-me a singrar,
rotas abruptas e menosprezadas
procurando a música da respiração,
o gostoso veludo dos limos a entrar 
ardente nas narinas.

Transito entre a sabedoria
e a bestialidade total
estremecido pelo liso ar 
pelas estrelas acampadas na dor 
das horas tombadas.  

As águas descem como muros de liquidações queimadas,
artérias de barro gemem em mim,
e as vegetações e barrancos despencados 
vêm correndo contar 
estórias de bolor e madeira podre.

Embarco no gosto do vento 
mais mortal do que nunca,
purgando alma.

_ Como é bom ser mortal!

Encontro a destreza do descuido
nas flores desmanteladas do
jambeiro,
libertas dos estames
como agulhas paridas
a rendilhar o chão, 
precipício de tapete rosa.

_ Oriente, venha-me em resgate
como febre de estação que tomba!

O vento novamente assovia línguas 
embaralhadas
cálices de terra regada 
não deixará uma só torrente guardada.

O tempo, 
o queimador de etiquetas, 
peneira da vida,
desabrocha, corrompe 
queima como incenso
tramita bêbado inseto engasgado de umidade
como o estio que promete.

É tempo
de pau pedra
fim do caminho
resto de toco
um pouco sozinho.

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