SÍLABA MORTA DE VERÃO
A. Nassaralla (17/março/15)
Guitarra de algodão canta ao vento,
saboreia e achaca à conta de aduanas
o cheiro destemido do brilho que decepa
cabeças de estrelas.
Não há mais confusão nos epitáfios.
Dizem todos:
colha antes que apodreça.
Dizer que outono é, não é.
O cheiro de luz quase.
Nada estação nenhuma.
Mato capinado de manhã cedinho
com cheiro de orvalho-verde-virgem.
Estou pronto para os jasmins locatários das brisas
adornos do tempo de águas fornicadas,
perfume doce que vem achatado
entre duas palmas de umidade,
corpo mais próprio que galhos começando
a querer falhar de folhas,
emprego da mortalha dos dias
que descasca a fruta e continua até
o caroço e continua até sugar essência,
separar a água que existe no sangue.
O sol já virou
e essa é minha única esperança nítida
nessa sílaba morta de verão.
Não interessa se o mundo bárbaro - que é casa -
quer desculpas para a relva que cresce
menos de um um palmo.
As trouxas já estão arrumadas
de névoa língua,
as estantes todas derrubadas,
com o que dou-me a singrar,
rotas abruptas e menosprezadas
procurando a música da respiração,
o gostoso veludo dos limos a entrar
ardente nas narinas.
Transito entre a sabedoria
e a bestialidade total
estremecido pelo liso ar
e pelas estrelas acampadas na dor
das horas tombadas.
As águas descem como muros de liquidações queimadas,
artérias de barro gemem em mim,
e as vegetações e barrancos despencados
vêm correndo contar
estórias de bolor e madeira podre.
Embarco no gosto do vento
mais mortal do que nunca,
purgando alma.
_ Como é bom ser mortal!
Encontro a destreza do descuido
nas flores desmanteladas do
jambeiro,
libertas dos estames
como agulhas paridas
a rendilhar o chão,
precipício de tapete rosa.
_ Oriente, venha-me em resgate
como febre de estação que tomba!
O vento novamente assovia línguas
embaralhadas
cálices de terra regada
e não deixará uma só torrente guardada.
O tempo,
o queimador de etiquetas,
peneira da vida,
desabrocha, corrompe
queima como incenso
tramita bêbado inseto engasgado de umidade
como o estio que promete.
É tempo
de pau pedra
fim do caminho
resto de toco
um pouco sozinho.
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